14 de out. de 2010

A quem homem algum jamais viu – João Calvino


E habita em luz inacessível. Ele tem em mente duas coisas: que Deus está oculto de nós, e no entanto a causa de sua obscuridade não está nele, como se estivesse envolto em trevas, mas em nós, que não podemos ter acesso à sua luz em virtude da debilidade de nossa percepção, ou, melhor, do embotamento de nossas mentes. Devemos entender que a luz é inacessível àquele que tenta aproximar-se dela através de sua própria força. Pois se Deus, em sua graça, não nos houvera aberto um caminho de acesso, o profeta não nos haveria dito: "Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá vexame" [SI 34.5]. Não obstante, é verdade que, enquanto estivermos circunscritos por esta carne mortal, jamais penetraremos o coração das profundezas mais secretas de Deus, tão completamente que nada nos ficasse oculto. Pois conhecemos em parte, e vemos através de um espelho embaçado [1 Co 13.9-12]. Pela fé, pois, nos introduzimos na luz de Deus, mas somente em parte, de modo que ainda é correto dizer que ela é uma luz inacessível ao homem.

A quem homem algum jamais viu. Esta cláusula é adicionada com o fim explicar o mesmo ponto mais claramente, para que os homens aprendam a contemplar, pela fé, Aquele cuja face eles não podem ver com seus olhos carnais, ou mesmo com o discernimento de suas mentes. Pois entendo isso como uma referência não só aos nossos olhos físicos, mas também à faculdade discernitiva da mente. Devemos ter sempre em mente qual era o propósito do apóstolo. E difícil para nós omitir e desconsiderar todas aquelas coisas que visualizamos de perto, para que nos esforcemos em atentar para Deus, a quem jamais vimos. Pois este pensamento sempre nos vem à mente: "Como você sabe que há algum Deus, quando só ouve a respeito dele, mas não pode vê-lo?" O apóstolo nos previne de antemão contra esse perigo, afirmando que não devemos julgar de acordo com nossos sentidos, visto que tal coisa excede nossa capacidade. Não o vemos porque nossa visão não é suficientemente penetrante para alcançar uma altura tal. Agostinho entra fundo numa abordagem desta afirmação, visto que, aparentemente, ela se choca com 1 João 3.2: "Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é."

Essa é uma questão que ele discute em muitas passagens, mas creio que sua melhor resposta à questão se encontra em sua carta à viúva Paulina. No tocante ao significado da presente passagem, a resposta é simples, ou seja, que não podemos ver a Deus em nossa presente natureza, como ele mesmo diz em outra parte: "Carne e sangue não podem herdar o reino de Deus" [1 Co 15.50]. Pois teremos que ser renovados e feitos semelhantes a Deus antes que nos seja dado vê-lo. Portanto, para que nossa curiosidade seja mantida dentro de certos limites, lembremo-nos sempre de que, ao buscarmos uma resposta a esta questão, nosso modo de viver é de mais importância do que nosso modo de falar. E lembremo-nos ainda da sábia advertência que Agostinho nos dirige, ou seja: vigiemos para que, enquanto discutimos sobre como Deus pode ser visto, não percamos de vista a paz nem a santidade, sem as quais ninguém jamais o verá.

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