9 de set. de 2010

O único que possui a imortalidade – João Calvino

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Paulo, aqui (1 Tm 6.16), está preocupado em demonstrar que à parte de Deus não há felicidade alguma, nem dignidade, nem excelência, nem vida. Ele agora afirma que Deus é o único imortal, que devemos saber que nós, bem como todas as criaturas, não possuímos vida inerente em nós mesmos, senão que a recebemos dele. Daqui se deduz que quando buscamos a Deus como a fonte da imortalidade, devemos mirar esta presente vida como algo de nenhum valor. No entanto, pode suscitar-se a seguinte objeção: a imortalidade pertence às almas humanas e aos anjos, e assim não se pode dizer que ela pertença exclusivamente a Deus. Minha resposta é que Paulo não está negando que Deus confira imortalidade a algumas de suas criaturas como lhe apraz; mas é ainda verdade que unicamente ele a possui. E como se o apóstolo dissesse que Deus não só é o único ser inerentemente e por sua própria natureza imortal, mas também que ele tem a imortalidade em seu poder, de modo que ela não pertence às criaturas, senão até ao ponto em ele lhes comunica energia e poder. Pois se o leitor afastar a energia divina que é instilada na alma humana, ela imediatamente se desvanecerá; e o mesmo se dá no tocante aos anjos. Portanto, estritamente falando, a imortalidade não tem sua sede nas almas, quer dos homens, quer dos anjos, senão que é procedente de outra fonte - a secreta inspiração de Deus, como se acha expressa em Atos 17.28: "Nele vivemos, nos movemos e existimos." Se alguém desejar uma abordagem mais completa e mais detalhada desse tema, recomendo que leia o décimo segundo capítulo de A Cidade de Deus, de Agostinho.

E habita em luz inacessível. Ele tem em mente duas coisas: que Deus está oculto de nós, e no entanto a causa de sua obscuridade não está nele, como se estivesse envolto em trevas, mas em nós, que não podemos ter acesso à sua luz em virtude da debilidade de nossa percepção, ou, melhor, do embotamento de nossas mentes. Devemos entender que a luz é inacessível àquele que tenta aproximar-se dela através de sua própria força. Pois se Deus, em sua graça, não nos houvera aberto um caminho de acesso, o profeta não nos haveria dito: "Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá vexame" [SI 34.5]. Não obstante, é verdade que, enquanto estivermos circunscritos por esta carne mortal, jamais penetraremos o coração das profundezas mais secretas de Deus, tão completamente que nada nos ficasse oculto. Pois conhecemos em parte, e vemos através de um espelho embaçado [1 Co 13.9-12]. Pela fé, pois, nos introduzimos na luz de Deus, mas somente em parte, de modo que ainda é correto dizer que ela é uma luz inacessível ao homem.

A quem homem algum jamais viu. Esta cláusula é adicionada com o fim explicar o mesmo ponto mais claramente, para que os homens aprendam a contemplar, pela fé, Aquele cuja face eles não podem ver com seus olhos carnais, ou mesmo com o discernimento de suas mentes. Pois entendo isso como uma referência não só aos nossos olhos físicos, mas também à faculdade discernitiva da mente. Devemos ter sempre em mente qual era o propósito do apóstolo. E difícil para nós omitir e desconsiderar todas aquelas coisas que visualizamos de perto, para que nos esforcemos em atentar para Deus, a quem jamais vimos. Pois este pensamento sempre nos vem à mente: "Como você sabe que há algum Deus, quando só ouve a respeito dele, mas não pode vê-lo?" O apóstolo nos previne de antemão con¬tra esse perigo, afirmando que não devemos julgar de acordo com nossos sentidos, visto que tal coisa excede nossa capacidade. Não o vemos porque nossa visão não é suficientemente penetrante para alcançar uma altura tal. Agostinho entra fundo numa abordagem desta afirmação, visto que, aparentemente, ela se choca com 1 João 3.2: "Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é," Essa é uma questão que ele discute em muitas passagens, mas creio que sua melhor resposta à questão se encontra em sua carta à viúva Paulina. No tocante ao significado da presente passagem, a resposta é simples, ou seja, que não podemos ver a Deus em nossa presente natureza, como ele mesmo diz em outra parte: "Carne e sangue não podem herdar o reino de Deus" [1 Co 15.50]. Pois teremos que ser renovados e feitos semelhantes a Deus antes que nos seja dado vê-lo. Portanto, para que nossa curiosidade seja mantida dentro de certos limites, lembremo-nos sempre de que, ao buscarmos uma resposta a esta questão, nosso modo de viver é de mais importância do que nosso modo de falar. E lembremo-nos ainda da sábia advertência que Agostinho nos dirige, ou seja: vigiemos para que, enquanto discutimos sobre como Deus pode ser visto, não percamos de vista a paz nem a santidade, sem as quais ninguém jamais o verá.

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