27 de set. de 2010

Depravação inerente e hereditária – João Calvino




Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo (Rm 5.12).. Ele agora começa a ampliar a mesma doutrina através da comparação de opostos. Se o propósito da vinda de Cristo era redimir-nos da calamidade em que Adão caiu, e levou toda a sua progênie com ele na hecatombe, uma concepção mais clara do que possuímos em Cristo só pode vir quando nos é mostrado o que perdemos em Adão.

Acomparação, contudo, não é semelhante em todos os aspectos. Paulo, pois, faz uma correção, a qual discutiremos em seu lugar ? apropriado. Realçaremos também alguma diferença que possa ocorrer. A falta de continuidade da frase a torna um tanto obscura, visto que a segunda cláusula da comparação, que equilibra a primeira, não é expressa. Entretanto, esforçar-nos-emos por elucidá-las quando tratarmos da dita passagem.

Entrou o pecado no mundo. Notemos a ordem que ele segue aqui. Diz que o pecado veio antes, e que a morte veio em seguida. Certos intérpretes defendem a tese de que tal foi a nossa ruína como conseqüência do pecado de Adão, que perecemos, não por alguma culpa propriamente nossa, mas simplesmente como se ele tivesse pecado por nós. Paulo, contudo, expressamente afirma que o pecado atingiu a todos os que sofrem o castigo devido ao pecado. Insiste de forma ainda mais enfática quando logo a seguir aponta a razão por que toda a progênie de Adão está sujeita ao domínio da morte. E porque todos nós pecamos. Pecar, como o termo é usado aqui, é ser corrupto e viciado. A depravação natural que trazemos do ventre de nossa mãe, embora não produza seus frutos imediatamente, é, não obstante, pecado diante de Deus, e merece a sua punição. Isto é o que se chama pecado original. Assim como Adão, em sua criação primitiva, recebeu tanto para sua progênie quanto para si mesmo os dons da divina graça [=divinaegratiae dotes], também, ao rebelar-se contra o Senhor, inerentemente corrompeu, viciou, depravou e arruinou nossa natureza - tendo perdido a imagem de Deus [ =abdicatus aDeisimilitudine], e a única semente que poderia ter produzido era aquela que traz a semelhança consigo mesmo [ —sui simile]. Portanto, todos nós pecamos, visto que nos achamos saturados da corrupção natural, e por esta razão somos ímpios e perversos. A tentativa dos pelagianos, nos dias de outrora, de esquivar-se das palavras de Paulo, dizendo que não passou de uma frivolidade enganosa o ensino de que o pecado provindo da imitação de Adão se estendeu a toda a raça humana, visto que nesse caso Cristo teria sido apenas um exemplo e não a causa- da justiça. Além do mais, a inferência é igualmente clara de que Paulo não está tratando, aqui, com o pecado atual, pois se cada pessoa era responsável pela sua própria culpa, por que Paulo compara Adão com Cristo? Segue-se, pois, que a alusão, aqui, é à nossa depravação inerente e hereditária.

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