27 de jul. de 2010

Sofrimento — Bem ou Mal? - William Fitch

Frio na terra — e eis, quinze rudes dezembros destes montes morenos descem Primavera; é fiel o espírito que tem lembrança após tais anos de mudança e sofrimento.- Emily Bronte,

A primeira condição da nossa iniciação na sociedade secreta dos Amigos de Deus, é que tomemos nosso lugar com Ele ante o julgamento do mundo; e que com Ele sejamos escarnecidos, vistos com condescendência e mal compreendidos pela religião do mundo, pela cultura do mundo, pelo poder do mundo — e por todas as artimanhas que o mundo estabelece como padrões pelos quais condenar a realidade. No exato momento em que declaramos que ele não pode dar-nos aquele reino intangível a que aspiramos, alienamos a sua simpatia, insultamos o seu senso comum. Então a ignorância, a ociosidade e a covardia nos condenam para seu sossego, como outrora condenaram o Primeiro e Último Justo.
John Cordelier em A Vereda da Sabedoria Eterna


Estudar o problema do mal é defrontar-se com o fato do sofrimento. "Se existe sofrimento, Deus pode existir?" Essa é uma questão que tem sido levantada desde tempos imemoriais. "Se Deus é bom e também onipotente, por que, então, permite sofrimento em Sua criação?" É como raciocinam os homens. Ou não há nenhum espírito por trás de todas as coisas, ou então um espírito completamente impassível e indiferente para com o bem e o mal, ou, pior ainda, um espírito mau.

Cedo ou tarde, quase todos os homens deparam com o sofrimento. Este assume numerosas formas. Existe o sofrimento causado pela dor física, variando em grau mas sempre potencialmente opressivo. A dor pode ser uma sensação puramente física. Pode ser uma dor amortecida ou uma dor aguda. Dispõe-se de vasta literatura médica e fisiológica sobre o tema da dor, mas os escritores concordam em que é impossível definir a dor. Há mais de cem anos foi lançada a teoria de que a dor era efeito de uma sobrecarga dos nervos sensitivos estimulados por excessiva aplicação de calor ou frio, ruído ou pressão de qualquer natureza. Poucos defendem essa teoria hoje. Acumularam-se as provas que demonstram que existem nervos receptores de dor específicos, inteiramente separados dos que transmitem calor ou frio. No presente se está fazendo muita pesquisa sobre os chamados "terminais nervosos livres", que são as raízes ramificadas terminais mais finas de uma célula nervosa, cuja estrutura fica perto da espinha dorsal; as atuais indicações desta pesquisa são que esses terminais nervosos podem comunicar dor e também outras sensações. Somos feitos de maneira formidável e maravilhosa e dentro da nossa estrutura nervosa há uma maquinaria que num momento pode abater um homem, ou através de um longo período de tempo pode continuar a estropiá-lo e a incapacitá-lo para as atividades normais. Instintivamente evitamos a dor. Exceto em estados psíquicos anormais, a dor é universalmente considerada como um inimigo que se deve evitar a todo custo.

A dor causa sofrimento, se vai além de certo ponto. Mas há muitas formas de sofrimento que não se irradiam da dor física. 0 medo e a ansiedade podem produzir grande sofrimento. A humilhação, certo senso de injustiça, a perda de um ente querido pela morte, o remorso, a destruição do casamento, a frustração e a alienação pessoal podem causar o mais agudo sofrimento. Um sofrimento emocional dessa espécie pode ser em tudo tão acerbo como o causado pela dor física. As vidas de incontáveis pessoas são ensombrecidas pelo amargor do fracasso em sua ambição ou nos negócios, e se vêem sobrecarregadas pelo tormento da incerteza, da vacuidade e do desespero. Erram pelas ruas das nossas grandes cidades muitos que se renderam ao alcoolismo, ao vício das drogas, ao divórcio e ao crime, não por causa da ameaça da fome, mas por causa da paralisia moral da falta de sentido da vida em geral. 0 sofrimento é algo muito complexo, abrangendo a mente, as emoções e o espí¬rito integral do homem. A depressão profunda é uma terrível realidade para multidões de homens e mulheres. 0 egoísmo, a avareza, a cobiça, a crueldade e a disposição para vingança podem trazer â outros um terrificante peso de dor. Acreseente-se a isto o sofrimento do órfão e do refugiado, do faminto e desamparado em terras assoladas pela guerra, as incríveis e, contudo, mais que verdadeiras torpezas de Belsen e Dachau, as rudes luxúrias e cegueiras das raças antigas que retornam no tempo, chegando às eras primevas, temos um quadro misto retratando um universo de sofrimento que é muito duro, muito assustador e muito diabólico.

Pode-se considerar bom o sofrimento em algum aspecto? Ou é completamente mau? Não se pode passar por alto a questão. Que tem a Bíblia para dizer a isto?

As Escrituras têm muito que dizer sobre o sofrimento. Em primeiro lugar, elas são muito definidas em dizer, como já observamos, que o sofrimento entrou na raça humana depois que entrou o pecado. Espinhos e cardos afetam a criação de Deus após a queda do homem, e estes espinhos e cardos são de muitas espécies. Tristeza e sofrimento provêm do pecado; e a morte, o cúmulo do mal humano, é o salário do pecado. Todas as misérias de uma humanidade sofredora são esquadrinhadas, devassadas e iluminadas pelas Escrituras. Na verdade, pode-se dizer realmente que livro nenhum jamais espelhou a intensidade do sofrimento humano, sua amplitude e universalidade, suas formas variadas, e suas desnorteantes perplexidades, como o faz a Bíblia. Apesar disso tudo, não há desamparo nem desespero na análise bíblica da situação humana. Ao contrário, um veio de santa alegria percorre todas as páginas da revelação, e o último assunto profetizado pelas Escrituras é uma nova criação, com novos céus e nova terra, da qual o sofrimento e a dor serão banidos para sempre. Mesmo enquanto o sofrimento se nos depara na terra, há também as maravi¬lhosas promessas de Deus, que produzem esperança e geram vida. Realismo nós encontramos em todas as páginas da Bíblia; pessimismo, porém, nunca. "Todas as coisas contribuem juntamente pára o bem daqueles que amam a Deus."

(Rom. 8:28). É promessa de Deus, e absoluta. No vale da sombra da morte, em meio aos turbilhões e à chama, quando a doença golpeia o nosso corpo mortal e este se debilita rumo ao túmulo, através dos estragos de terremotos, enchentes e desastres, a Sua promessa permanece: "Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão" (Is. 43:2). É isto que Deus se compromete a fazer. Ele nunca deixará, nem abandonará os Seus.

É certamente significativo que os homens de fé não exigem de Deus que lhes justifique os Seus caminhos. Outro fator penetrou as vidas deles. São homens que têm mentes e, assim, pensam nas coisas de modo racional. Inevitavelmente fazem perguntas acerca do sofrimento. Lutam com o problema que tal intromissão na criação torna urgente para eles. Mas não culpam a Deus. Não exigem irritados que Deus explique ou defenda a Sua conduta. 0 novel fator da fé tomou posse das suas vidas, e ele se evidencia mais forte que o simples intelecto. Deus é real para eles — mesmo no vale do sofrimento. Daí os ouvimos cantando mesmo ali. 0 vale de Baca torna-se uma fonte. As assolaçoes desérticas são sobrepujadas pelas melodias de uma sublime confiança em Deus. Eis aí Habacuque. Ele enfrenta dias horríveis e duros. Que diz ele, porém? Ouçam-no: suas palavras são contadas entre as mais nobres já proferidas por um mortal.

“...ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas: Todavia eu me alegrarei no Senhor: exultarei no Deus da minha salvação” (Hab. 3 :17-18).

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